À descoberta do Sul da Índia, uma viagem na mítica moto Royal Enfield, pelos estados do Kerala e Karnataka, entre 6 e 21 de Março de 2010. Partindo de Kochi rumo a Goa, por estradas junto à costa e incursões pelos Ghats Ocidentais, vamos conhecer as gentes, os mosteiros e templos, admirar as paisagens, visitar reservas naturais .... enfim, juntar dois amores: Viajar e andar de moto.

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Goa é Goa

Sexta-feira, dia 19 de Março de 2010 (Fim da Viagem)

Goa é Goa. Nem parece a Índia que estamos habituados. É Goa, outro mundo. Assim que passamos a fronteira do estado, tudo mudou. A estrada tem um piso de alcatrão recente, linhas brancas bem marcadas, as vacas desapareceram, os rickshaws também. O trânsito é intenso mas normal, civilizado. Vamos descobrir Goa.

A estrada interior para Palolem é das mais bonitas que fizemos até agora. Parece uma estrada das histórias de fadas, verde lindo, espaços abertos cultivados emoldurados de coqueiros, curvas suaves que acompanham braços de rio e o mar, cheiro a especiarias. O sol desenha um fantástico rendilhado na estrada através dos frondosos ramos das árvores. Casas pequenas, cuidadas, pintadas de cores vivas, alpendres, vãos de telhados desencontrados, muros brancos. Rolar nesta estrada é como estar num concerto de música clássica, sentidos despertos, emoções da natureza. As praias na costa de Palolem apetecem mudar de vida, largar a civilização e sentar na areia branca, à sombra dos coqueiros a olhar o mar infinito.

A estrada interior de Margão é uma excelente alternativa à nacional 17. Trânsito suave, moderado, ambiente rural. Uns quilómetros antes de Panjim fica Velha Goa, um museu a céu aberto, um desfile de igrejas que o império construiu, locais de culto cristão que ainda mantêm umas réstias do esplendor de outrora. Uma pequena vila transformada numa correnteza de lojas, turistas, parques de estacionamento, pedintes e vendedores de rua. A Sé catedral, a Basílica do Bom Jesus, a Igreja de S. Francisco de Assis ou as ruínas da Igreja de S. Agostinho dispersam as atenções dos turistas e esgotam as máquinas fotográficas.

Panjim è uma cidade aninhada na foz do rio Mandovi. A marginal ao longo do rio é o ponto de referência para nos orientarmos nas pequenas ruas e becos com nomes de personalidades portuguesas de outro século. As casas, de traça colonial, com varandas franjadas, recuperadas ou semi-destruídas lá estão a marcar uma época em que se falava português. Os mais velhos falam a língua com orgulho, contam sobre os familiares que vivem no continente, perguntam de onde somos, dizem-nos o que visitar na cidade.

Por todo o lado se vêm lojas com nomes “da Silva”, “Sousa”, “Sequeira”, a Confeitaria Italiana é a sede do núcleo sportinguista de Goa, o restaurante do Ernesto e do Vasco, dois irmãos com remota ascendência lusa são uma referência de simpatia e hospitalidade, dão indicações sobre a cidade, contam os costumes, é o ponto de encontro para matar saudades de um bom bife e de comida sem picante.

Distância: 183 Km
Percurso: Gokanna – Ankola – Karwar – Palolem Beach – Maogoa - Panaji



















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Vacas, templos e tempestade

Quinta-feira, dia 18 de Março de 2010

Depois da tempestade vem a bonança. Hoje é dia de descanso, o sol brilha. De manhã vamos até Gokarna, vila cheia de templos, muito frequentada por turistas. À entrada um mercado, bancas de chão, um pano comprido para exibir fruta e legumes, peças em latão, plásticos, sacos com especiarias, cheiros intensos. Uma rua principal cheia de lojas de roupa colorida, colares e pedras, ao fundo uma pequena praia.

Estreitas vielas dão acesso a pequenos templos, simples, despidos de grandes ornamentos e vestidos de misticismo. Um arco colorido de rosa, azul, amarelo, verde, com figuras de deuses, marca a entrada de mais um local de culto. Lá dentro, mulheres idosas descalças, rezam e andam à volta do altar, num rodopio ritmado pelo passo e por uma fala monocórdica. Levam pétalas de flores e óleos para oferecer aos deuses, falam com eles, ajoelham, dão voltas apressadas. Saem e vão para o próximo templo, uns metros mais abaixo da rua movimentada, outro local de silêncio e oração. Casas quadradas, em pedra, altares com representações de deuses, paredes pintadas há muitos anos a precisar de restauro. O chão é em mosaico de várias cores, cheira a incenso, reina a penumbra.








A vida de Gokarna continua cá fora. A rua principal está cheia de gente, as vacas passeiam-se soberanamente à procura de comida. Uma azáfama de rickshaws que passam a correr com turistas. Há muitos ocidentais de diferentes nacionalidades, magros, vestidos com panos, descalços, rastas, jovens de cabelo comprido e barbas, misturam-se com os indianos. Têm o olhar brilhante, conhecem-se todos, juntam-se nos cafés a trocar experiências de vida.


À entrada das lojas estão os chinelos dos clientes, lá dentro prateleiras cheias de panos coloridos, sacos com desenhos exóticos, tapetes de recortes, calças e blusas com padrões de flores e cores, muitas cores. Cheira a incenso. Aqui também se negoceiam os preços, geralmente caem para metade da oferta inicial, os indianos choram-se com os descontos, pedem mais cem rupias, dizem que precisam ter um pouco de lucro, acabam por vender.

Alguns lojistas, homens magros e secos, estão sentados de pernas cruzadas, lêem e rezam. Há minúsculos altares encavalitados nas mercadorias, pequenas fotos de deuses e paus de incenso a queimar. Vendem peças em latão, sacos com pós de várias cores fortes, livros com capas douradas e figuras de deuses. A quatro quilómetros da vila, a praia “Om Beach” é o atractivo da região. Areia branca, mar quente e barcos de pesca com nome de “Fátima” e .......... vacas.








Quarta-feira, dia 17 de Março de 2010

Hoje batemos o recorde! 280 km em estradas na Índia é uma odisseia. Estrada com bom piso, larga e pouco trânsito. A manhã correu calma e nós corremos pela estrada, rodeada de vegetação, árvores, bambus, arbustos, plantas de café, bananeiras, campos cultivados em quadrados alinhados. Lindo a perder de vista.

Uma das motos avariou, não tinha força, engasgava na aceleração. O mecânico puxou do saco das ferramentas e, à beira da estrada, num ápice, desmontou o depósito, tirou o filtro, soprou, desapertou a cabeça do motor, mexeu numas peças e lá pôs a moto a andar, no meio do pó e areia da berma, óleo a cair, um trapo sujo, chave de parafusos no bolso detrás das calças.

Começámos a descer a montanha rumo à costa, descidas largas, vegetação densa. Visita às cascatas de Jogg Falls, uma impressionante falésia onde outrora caía uma tão impressionante cortina de água. Nos últimos anos não tem chovido o suficiente para encher as cascatas e os olhos dos turistas. Mas a escarpa de pedra está lá, altíssima e vertiginosa. É um ponto de turismo, tem um pequeno aglomerado de casas em U, parecem as lojas de Fátima. Mas aqui não se vendem recordações, as lojas são pequenos restaurantes, de tachos em metal reluzente, um pequeno fogão de campismo, duas mesas de plástico com cadeiras, um frigorífico com 50 anos. As mulheres chamam-nos, dizem-nos o que podem cozinhar. Omeleta de pão, arroz frito com legumes, massa com legumes, banana em massa de ovo e farinha. Está calor, muito calor, o ar é húmido, uma vaca passeia-se no terreiro à frente dos pequenos restaurantes.










Depois de uns litros de água e uma taça de arroz, voltamos à estrada. Mas o céu escurece de novo, rapidamente a chuva volta. Ainda temos 140 km de estrada, vestimos os impermeáveis e decidimos continuar. Mas a natureza não permite. A cortina de água pesa, pica por cima dos fatos, inunda tudo. Temos de parar, uma pequena aldeia abriga-nos do temporal. Raios e trovões iluminam os céus, atordoam os ouvidos. As pessoas olham com curiosidade para os estrangeiros molhados, impávidos perante o dilúvio. A atmosfera é densa, quase custa a respirar. A humidade entra no nariz, molha os ossos.

Acabou de chover tão depressa como começou. A estrada está encharcada, as nuvens vão embora, o sol aparece. Montanha abaixo, por uma estrada estreita e com curvas, a floresta acompanha-nos, árvores frondosas, um emaranhado de ramos, densa, impenetrável, a vegetação cobre a estrada. O sol aquece o alcatrão, a água da estrada evapora. Rolamos sob uma neblina ténue, vê-se a água a evaporar, avançamos a cortar o ar espesso, sente-se o cheiro da floresta, ouvem-se os ruídos dos animais e o canto dos pássaros. Estamos num outro mundo, num planeta diferente de tudo o que conhecemos, sente-se que a floresta nos esmaga. O verde é fabuloso, a natureza está viva, invade os sentidos, diz-nos que não somos nada, somos apenas uma pequena folha a pairar pela estrada.

Numa curva apertada está um camião virado ao contrário, cabine desfeita, sacos espalhados pela estrada. O condutor está sentado à beira da estrada a guardar a mercadoria. As vacas reaparecem, os búfalos, as galinhas, os carros, os rickshaws, estamos na planície de campos cultivados de tons de verde, estamos próximo da costa e do mar. Chegamos a Gokarna ao final do dia, a tempo de ver o pôr-do-sol.

Distância: 280 km

Percurso: Bhadra – Shimoga – Sagar – Jog Falls – Honnovar - Gokarna





Terça-feira, dia 16 de Março de 2010

Vacas. Não acabam, não saem da estrada. Vacas e búfalos nesta região são os reis da estrada. Os reis das aldeias, vilas e cidades. Vacas brancas com grandes chifres em forma de V fechado, vacas pretas com chifres curtos, búfalos castanho-escuro com chifres enrolados para trás, não saem do caminho, estacionam na estrada, andam em bandos, calmamente.

As vacas e os búfalos são o terror. Lá ao longe parecem vultos pacíficos, abanam a cauda com moleza. Quando nos aproximamos, mexem-se, viram-se e decidem atravessar a estrada. Outras já lá estão, mesmo no meio do alcatrão, olhar longínquo como se estivessem no meio de um pasto verdejante. Não arredam pata. Manadas de búfalos correm na berma, assustam-se com o barulho, fogem para todos os lados. Para a estrada, para cima de qualquer veículo que passa e que tem de se desviar, travar, rezar aos santinhos para conseguir não bater nestes animais.

Os autocarros travam de repente, curvam o desvio, as rodas traseiras andam de lado. Todos buzinam para assustar os animais, para os fazer andar dali para fora. Todos parecem estar habituados aos obstáculos de quatro patas. Nem os donos, que por vezes se vêm a acompanhar as famílias de vacas e bezerrinhos, fazem um pequeno gesto para as tirar de lá.




Quanto mais subimos para Norte, mais animais na estrada. No estado do Karnataca, o desafio do trânsito de motos, rickshaws, camiões e autocarros é potenciado pelas pachorrentas vacas e pelos assustados búfalos. As povoações são um labirinto que se atravessa com dificuldade.

A parte da manhã foi passada entre vacas e templos. 40 Km a norte de Hassan há dois grandes templos que fomos visitar. Saímos cedo, direitos ao templo de Halebidu, dedicado ao deus Siva. Um maciço de pedra negra, atarracado, místico, artístico. Um jardim relvado dá entrada a um fantástico trabalho de baixo-relevo e recortes em pedra de um templo escuro e fresco, onde a calma reina. Pequenas figuras de deuses e cenas divinas passeiam-se ao longo das paredes, contam uma história, a reluzir ao sol.

Lá dentro, descalços, reina a penumbra, o sol entra apenas pelas quatro portas dispostas em quadrado. Figuras do deus Siva, com vários braços e pernas, armaduras e ornamentos estranhos olham para nós. Ouve-se o cantar monólogo de um monge, sentado no chão com um livro no colo. Os devotos ajoelham e deitam-se numa pedra redonda no centro, virados para a estátua do deus e rezam. O monge canta, grita. De resto o silêncio, ouve-se o silêncio das pedras, adivinham-se as histórias naquelas paredes trabalhadas. Numa capela interior está um padre a limpar um altar redondo, em pedra. Tem uma caixa para oferendas e uma vela acesa. Todas as paredes estão repletas de silhuetas recortadas na pedra, altares, todas as colunas estão trabalhadas, é tudo negro, convida a sentar e pensar ao som da reza do monge.

À volta do templo a azáfama da cidade, vendedores de recordações, miniaturas do deus em ferro, mapas e guias do templo. E bancas de fruta e lojas de tudo e carros e autocarros e vacas. Está calor.

Rumo ao segundo grande templo, em Belur, um par de quilómetros. A entrada da cidade é uma avenida grande de casas térreas, sujas e semi-desfeitas, uma avenida cheia de movimento, cheia de Índia. Ao fundo uma construção imponente. Brilha ao sol, uma porta gigantesca e dourada, a entrada do templo. A porta tem muitos metros de altura, domina a cidade. Figuras de deuses trabalhadas na pedra passeiam-se nos vários andares de histórias e lendas, olham para nós, estáticas, brilhantes, superiores. Lá dentro, o templo em pedra escura, altares de culto, diferentes espaços para diferentes deuses.









A seguir ao almoço o céu escureceu, as nuvens correram a tapar a terra. Levantou-se o vento. Cada vez mais vento, rajadas que abanam as árvores, vergam as folhas dos coqueiros, levantam a terra, agitam a tarde. No meio de uma névoa de areia íamos rolando pela estrada, apreensivos. Vai chover. Ao que parece há muitos anos que não começa a chover tão cedo, ainda não está na época de monções. À medida que avançamos o vento fica mais forte, vamos subindo a montanha, vamos vendo as folhas a rodopiar pelo ar, as pessoas vão desaparecendo. Por vezes a estrada está cheia de pequenos troncos arrancados das árvores. E começa a pingar, primeiro lentamente, depois forte. Tão forte que tivemos de parar numa paragem de autocarro deserta para nos abrigarmos da intempérie. O céu ilumina-se com raios de luz, faíscas repartidas no horizonte, rápidas, fulminantes. Ouvem-se trovões, partem-se os céus. E a chuva cai, forte e densa.


Uma moto pára junto a nós e um homem com duas crianças abrigam-se na paragem de autocarro já cheia de turistas pasmados com a chuva. O mais pequeno não pára de olhar para nós, boca aberta, olhar curioso. Escondido atrás do pai não tirava os olhos de nós, alheio ao barulho dos trovões, impávido perante a chuva. E ela continuou a cair por mais de uma hora, bátegas grossas parecem granizo, a paisagem ilumina-se com os raios e escurece com o véu de chuva. O horizonte está branco. A estrada escorre terra vermelha diluída na água, forma regos que serpenteiam pelo alcatrão. Deitei-me no muro corrido que serve de banco e adormeci de cansaço.

Com as últimas pingas ainda a cair decidimos voltar à estrada. Faltam 60 km até ao destino de hoje, Bhadra, uma reserva natural situada bem no meio dos Ghats ocidentais, lá no cimo da montanha. A subida íngreme, com curvas apertadas e piso picado, foi feita lentamente. O cheiro é intenso, terra e folhas molhadas, atmosfera densa e húmida. A estrada brilha do óleo ou gasóleo deixado pelos carros e que a água não lavou. O ar está cheio de insectos, borboletas que se esmagam contra a viseira do capacete. A floresta é fechada, verde, muito verde, rica de plantas e árvores, o cheiro entra em nós, chama-nos, lembra-nos que fazemos parte da terra.

Junto à reserva natural “Bhadra Wildlife Santuary” há um hotel composto de pequenos bungalows de madeira, encavalitados na encosta do lago, escondidos na vegetação. À noite ouve-se o som dos animais, o grito das aves e o barulho da água do lago, empurrada pela brisa, a bater nas margens. Os guardas fazem patrulhas de rotina na reserva e reportam, num quadro branco na sala de refeições, os animais que avistaram. Ontem viram um leopardo.

Distância: 140 km

Percurso: Hasan – Halibeed – Beure – Chikmanglore – Pelkeri - Bhadra




 
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Gosto disto ...

Segunda-feira, 15 de Março de 2010

Ao pequeno-almoço serviram-nos torradas com manteiga, fruta e café com leite, como de costume desde que chegámos. O dono do hotel veio cumprimentar, homem simpático, na casa dos 60 anos, chapéu colonial, camisa e lenço enrolado no pescoço, ar distinto. Devia ser respeitado ou temido pois assim que apareceu os empregados começaram a trabalhar mais depressa, um deles parecia uma barata doida a correr de um lado para o outro a trazer as coisas.

Saímos tarde hoje. Não porque estava planeado mas porque estamos no Karnataka e o motorista do carro de apoio tem de ir buscar a licença de condução para este estado. E a repartição só abre às 10:30H. Mal saímos da cidade a polícia mandou parar. Até parece que queriam festa, mas estava tudo em ordem.

Vamos andar por estradas secundárias, desde Madikeri até Hassan, 132 km. E a estrada é linda, campos cultivados, coqueiros, muitas árvores. Está fresco, pouco trânsito, o piso é razoável, por vezes picado, por vezes terra, mas não há trânsito. Rolámos satisfeitos naquela paisagem fabulosa, pequenas aldeias com casas de alvenaria e telhados com telha, pintadas de várias cores, umas verdes, outras rosa, outras amarelas.



Sempre em estradas rodeadas de vegetação muito verde, bambus, arbustos e flores, parece que estamos num jardim colorido e suave. Os campos cultivados alinham-se em quadrados de diferentes tons de verde e com várias alturas de plantas. Tufos de bambus alternam com manchas de bananeiras, sempre com a floresta de coqueiros ao fundo. Espalha-se o olhar, sente-se o cheiro de folhas molhadas, a terra é vermelha, esta é uma boa estrada rural. Rolamos em ritmo suave, sem pressas e sem carros. Decididamente gosto do campo.

Parámos numa pequena cidade para almoçar, num restaurante minúsculo e típico. Tinha duas mesas corridas em cada parede. Serviam apenas arroz, peixe frito e molhos. Tudo picante, excepto o arroz branco que tinha um gosto aromático fabuloso. Só comi arroz. Alinhados como os meninos da escola nas carteiras, uns comeram com as mãos, outros conseguiram uma colher. Sobremesa, chá, como de costume.



A tarde correu pacífica naquela paisagem bucólica, perdemo-nos uns dos outros num cruzamento por aí, juntámo-nos de novo, nada a assinalar. Estamos de férias. Cada vez há mais vacas pela estrada, sozinhas ou em manadas, umas vezes com o dono a acompanhar, outras não. Cada vez que as vejo ao longe, reduzo, andam por onde lhes apetece, até os camiões param e se desviam.

A meio da tarde chegámos a Hassan, entrámos na confusão de carros, de trânsito, de fumo negro, de gente. O Hotel é no meio da cidade. Finalmente um hotel com internet, com água quente, com ar condicionado. Gosto disto ...

Distância: 132 km

Percurso: Madikeri – Somavarpep – Shenivarchande - Hasan

 
 


 
Domingo, 14 de Março de 2010

Alvorada ao som dos pássaros, aquele cantar contínuo de trinar e gritos que nos acompanha durante toda a noite. Hoje tivemos de alterar os planos, disseram-nos que a estrada por onde iríamos até Madikeri está em obras e cortada ao trânsito. Fomos por uma estrada secundária, uns quilómetros a mais que o plano mas que promete ser mais interessante. Sair de madrugada para a estrada é uma boa táctica neste país, a temperatura está fresca, as lojas estão fechadas, não há carros, não há gente nas ruas.

Os primeiros 80 km foram pacíficos, a planície espalha-se pelos nossos olhos. Conseguimos rolar depressa, está pouco trânsito. Hoje é Domingo. Quando começamos a subir para as montanhas a estrada encolhe, o piso está picado e cheio de buracos. Por vezes a vegetação é tão densa que as árvores cobrem a estrada de sombras que intervalam com pequenos raios do sol que furam por entre a vegetação.

Parámos numa banca de estrada. Numa estrada fora de qualquer povoação estava uma carripana de madeira com rodas de aro e um estaminé montado. Tinha em pequeno expositor de madeira e vidros onde se exibiam uns bolinhos fritos, bolachas e onde uma mulher cortava tomate e cebolas para uma salada e amanhava uns peixes pequenos. Por detrás, um caldeirão de ferro numa fogueira tinha um caldo que fervilhava e cheirava bem. Uma cafeteira enorme fervia água. Ao lado, dois alguidares de ferro com água era a zona de lavagens. Tinham um avançado de lona com duas mesas e umas cadeiras. Ali naquele fim do mundo, estavam meia dúzia de homens, sentados a ver os números da lotaria e a beber chá. Pedimos chá com leite. Fiquei ali a observar o homem que lavou os copos com água a ferver, misturou o chá, passou o leite por um coador e serviu. Debaixo das árvores, uma banca de estrada minimalista era um ponto de encontro de pessoas que não sei de onde vinham, não havia casas à vista nem havia carros estacionados. Mas o negócio devia ser rentável pois adivinha-se a preparação de várias refeições.





Almoçámos num restaurante à beira da estrada com um menu extenso que demorou um bocado a decifrar. Acabamos a pedir coisas que já conhecíamos e que vieram tão picantes que fez o Pedro ter saudades de Nestum e de Cerelac. Entre a sala e a cozinha tinha uma janela, tipo guichet, com diversos tipos de avisos e uma campainha, parecia uma repartição.

Depois do almoço começou uma prova de perícia, um todo-o-terreno por caminhos da Índia. A estrada é um recorte de bocados de alcatrão, com uma sucessão de buracos e uns bons quilómetros de crateras lunares. Toda a vantagem de tempo que tínhamos ganho de manhã se perdeu nestes 30 km de suor, buracos, pedras e areia. Floresta de um lado e do outro, algumas aldeias de poucas casas e buracos sem fim. Quando finalmente apanhamos estrada com alcatrão picado até parecia uma auto-estrada grande e lisa.






O alojamento é uma casa enorme de tijolo vermelho e telhado de telha, no meio de uma plantação de café. À nossa volta, árvores, um pequeno lago de águas pardas e plantas de flores brancas a perder de vista. Estamos num alto, com a plantação como paisagem onde devem andar centenas de pássaros tal é a cantoria.

Nos hóteis onde temos ficado há águas quentes e frias ... conforme o tempo. Se está calor temos água quente. Depois do todo-o-terreno de hoje apetecia-me um banho quentinho. Aqui, na encosta da montanha está frio. E a água está gelada. Até me faltou a respiração quando entrei no chuveiro. E para ajudar, o chuveiro é intermitente, tive de tomar duche em etapas não fosse ficar sem água e cheia de sabão.

Pensava eu que cá para cima não havia tanta poluição. Enganei-me. Cada vez que passo um pano pela cara saí preto. Até no interior onde não há tantos carros. Desde que chegámos cá que se percebe uma neblina no ar, ainda não vi um céu completamente azul como o das fotografias de turismo. A poluição na Índia é terrível, escurece tudo, o blusão já mudou de cor, está manchado de cinzento, ao fim do dia a pele está escura, quando lavamos a cara a água fica preta. Depois a humidade cola tudo à pele, o calor coze, parece que temos uma película de gordura escura pelo corpo todo. Já nem acredito no sabonete, só me sinto lavada com sabão azul e branco que faz espuma cinzenta, tal é o fumo dos carros e camiões. Um fumo espesso, negro, que se espalha no ar e suja tudo à sua passagem. Nem nas montanhas o ar é limpo.

Estou na varanda a escrever a crónica do dia, sob uma lâmpada mortiça que mal ilumina o teclado. O monitor dá mais luz que a lâmpada do tecto e faz as delícias dos mosquitos e melgas que dançam à frente das letras e não me deixam escrever. Resolvi o problema, besuntei o PC com repelente de insectos.

Distância: 220 km

Percurso: Kannur – Koothuparmbu – Mananthavaoi – Gonikoppa – Virajpep - Madikeri








Sábado, 13 de Março de 2010

E ao sétimo dia Deus descansou. Nós também. Depois de uma noite bem dormida, embalada pelo canto dos pássaros e os gritos de animais nocturnos que nos acompanharam a noite toda, hoje é dia de dormir até tarde, de moleza, de ficar no alpendre a conversar e beber chá, a relaxar os músculos do esforço de conduzir pelas estradas caóticas da Índia. A casa está encaixada na vegetação, as folhas das bananeiras entram pelas janelas, ao fundo ouve-se o barulho ritmado das ondas na praia. Está muito calor, está uma sauna de humidade, as ventoinhas estão no máximo.




Consegui acabar as crónicas dos últimos dias e escolher as fotos para o blogue. Há um ciber café na estrada principal, a uns 5 km de distância. Fica num primeiro andar, tem uns compartimentos minúsculos onde cabe uma pequena mesa e uma cadeira. Enquanto estava a actualizar o blogue ouvia os sons dos jogos electrónicos que alguns miúdos jogavam. Parecia que estava na guerra, com barulho de tiros e exclamações de guerreiros. Para se entrar tem de se tirar os sapatos, como nas casas e nos templos e em muitos outros locais.

Ao final da tarde chamámos dois rickshaws para ir ver um “Temple festival” e foi mais um festival chegar até lá. Quatro passageiros mais o condutor naquela casquinha a acelerar por estradinhas entre aldeias perdidas na floresta, subidas e descidas íngremes, cheias de buracos, umas partes da estrada em terra. Mais uma aventura.

A festa do templo realiza-se uma vez por ano, para celebrar a colocação da primeira pedra da construção do templo e a instalação do Deus. Esta festa vai durar quatro dias e é dedicada ao “They Yams”, três deuses – Sree Rama, Fighter e Siva. São representados por homens, com fatos coloridos e de corpo e cara pintados segundo os preceitos da divindade que encarnam. Quando chegamos estavam os três a ser pintados e depois vestidos. Enquanto o ritual decorre, padres fazem oferendas aos deuses, nove no total. Com pétalas de rosas, folhas de bananeira, coco, arroz e cadeias acesas, os padres rezam, tocam campainhas e salpicam as pessoas com um líquido tirado de uma taça. Um grupo de homens de saia comprida branca – Lungui – toca tambores, num compasso ritmado e monocórdico. Cheira a incenso.

As mulheres usam saris coloridos, de cores lisas ou estampados, rosa, azul, verde, violeta. Todas têm as unhas dos pés pintadas, algumas jóias, sentam-se numa grande escada para ver a celebração. Andamos todos descalços no espaço do templo, uma grande área com cinco pequenas construções de madeira trabalhada, com pequenas candeias penduradas nas paredes e um altar interior com a representação do deus. As pessoas fazem ofertas de dinheiro numa bandeja, ajoelham nos altares, rezam, molham o dedo numa taça com um pó e marcam a testa e a garganta. Significa que estão abençoados. Os tambores continuam a tocar e as pessoas circulam por entre os diversos locais de culto, além dos cinco templos há também mais quatro pedras que marcam a presença de outros tantos deuses. O cheiro a incenso circula por entre os devotos, empurrado pela ligeira brisa.

Quando os homens acabam de ser pintados e vestidos começa o espectáculo, um grupo de jovens em tronco nu, todos com uma lungui branca e faixa vermelha na cintura, dá várias voltas aos pequenos templos, acompanhados pelos tambores, os padres e crianças com grandes varas finas e pintadas. Param num largo e dançam “Kalaripayattu”, uma dança tradicional, quase uma arte marcial. Ouvem-se tambores, cheira a incenso. E os rituais continuaram com outras representações e danças, vai durar a noite toda.





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Don’t worry, be Indian

Sexta-feira, 12 de Março de 2010

Entre Trissur e Kannur não há alternativa às estradas nacionais, pelo menos conhecida. As estradas rurais são tão rurais que levaríamos uns dois dias a chegar. Hoje é o dia todo em gincanas de trânsito.

Deixamos o calmo rio Thriprayar e continuámos para Norte, cada vez mais junto à costa. A nacional 17 é uma estrada larga, com bom piso mas que cruza um milhar de cidades e vilas movimentadas. Enquanto estamos em estrada aberta conseguimos fazer boas médias, entre 60 e 80 km/hora. E é uma estrada segura, tem bermas. As bermas são uma via de circulação importante na Índia, é o espaço para onde nos desviamos quando vem de frente um autocarro a ultrapassar um camião, que por sua vez já estava a ultrapassar um rickshaw. Também são a escapatória para nos desviarmos dos carros velozes que ultrapassam os camiões que nos ultrapassam a nós. As bermas são nossas amigas.

Todos os condutores na Índia conduzem no limite. Os autocarros são os mais velozes, têm a frente muito colorida, mas o resto está todo ferrugento, não têm janelas, alguns devem ter o chassis todo torcido pois andam de lado. Vê-los à nossa frente, a 80 km/hora, é ver um fenómeno da mecânica, uma massa enorme, abaulada, que anda com os pneus da frente na esquerda e os pneus de trás na direita.

Ao passar nas vilas e cidades o andamento é lento, tão lento como os peões que atravessam a estrada, indolentes. É necessário ter quatro-olhos e o radar ligado no máximo para evitar os rickshaws que aparecem de todos os lados, as motos que parecem melgas e os camiões que se arrastam com o peso. Mas o perigo é de novo os autocarros. Ultrapassam a alta velocidade mesmo no meio das localidades e travam assustadoramente quando alguém estende o braço. Não há paragens fixas, em qualquer ponto da estrada se pode parar um autocarro. Quando pensamos que o dito vai nas horas, eis que trava violentamente, obrigando-nos a travar a fundo para não chocar com ele. Nem se consegue ultrapassar, pois em sentido contrário vem outro, veloz e ameaçador.

Numa das vilas havia uma festa. Junto à estrada um altar à deusa-mãe, colorido de bordados e pendentes amarelos e brancos e um bando de rapazes novos, tronco nu e um pano enrolado à cintura, tocavam tambores e cantavam. Uma dança ao som do rufar coordenado, gritos e cantigas, muita gente a ver. Um homem rico tinha pago a festa e feito um donativo ao templo para chamar a boa-sorte para si e sua família.




100 km de estrada em quatro horas é uma média excelente. A meio caminho entre Trissur e Kannur fica Calicut e a praia de Kappad onde aportou o nosso Vasco da Gama. Desviámos um pouco da estrada principal para visitar a praia, uma língua de areia estreita ao longo da costa, com pontões e um marco alusivo ao evento. Uma pequena placa assinala que “Vasco-da-Gama landed here...”. Por entre os coqueiros, junto à areia, uma pequena aldeia de pescadores, casinhas quadradas, cor de areia, cobertura feita de folhas entrelaçadas e muitas crianças que correm para a pequena estrada para ver as motos e os turistas. Acenam alegremente, pés descalços e sorriso grande.

Finalmente em Kannur, ao cair da noite, saímos da nacional, entrámos numa pequena estrada que cada vez ficava mais estreita, embrenhada na densa floresta de coqueiros, transformou-se numa pista, para chegarmos ao alojamento. Uma casa familiar, quadrada, com paredes cor-de-rosa claro, encaixada na vegetação e em que não se pode entrar de sapatos. Tem uma varanda com cadeiras de pano e cheira a incenso. Os quartos, pequenos, têm uma ventoinha no tecto, uma cama, rede de mosquitos e um banco corrido. O dono, homem forte, usa uma “Lungui” (pano comprido enrolado na cintura), tem um pequeno bigode, olhar afável e sorriso pronto. Recebeu-nos com um Tchai, distribuiu os quartos e perguntou se tínhamos roupa para lavar. Vamos ficar aqui amanhã, dia de descanso.

Todos os quartos abrem para a grande sala, com ventoinhas no tecto que giram sem descanso. Jantámos na mesa corrida ao centro, arroz branco e legumes, servidos numa folha de bananeira. A sobremesa foi polpa de manga. Delicioso. A praia fica lá em baixo, a dois minutos a pé. Também aqui não há Internet.













Quinta-feira, 11 de Março de 2010

Acordámos de madrugada, com o cantar dos altifalantes da mesquita a chamar os fiéis. Às 8:30h saímos do hotel, colina abaixo, passámos de novo pelo centro de Munnar rumo a noroeste. A estrada para sair da cidade é deliciosa, cheira a quente, cheira a aromas, cheira a chá das fábricas onde secam e trabalham as folhas dos arbustos que nascem nas colinas das montanhas à nossa volta. A estrada até Maraiyor serpenteia pela montanha, por entre encostas cheias de arbustos rasteiros de folhas para chá. A paisagem é verde, relaxante, cheirosa, as plantações de chá estendem-se no horizonte até se perderem de vista. A temperatura é fresca, convida ao passeio, convida a parar e olhar. Curvas e contracurvas apertadas, de um alcatrão picado e esburacado que dividem a nossa atenção entre a estrada e a paisagem fabulosa. Ao longo da descida da montanha as plantações de chá vão dando lugar a uma vegetação de árvores dispersas até chegarmos ao vale onde a temperatura aquece, o ar é húmido, cheira a terra molhada, cheira a folhas molhadas, cheira a tropical. A humidade é perfumada, estamos a passar na floresta de sândalo, árvores cerradas que ladeiam a estrada e dão cor à paisagem e aos sentidos. Curioso, a floresta está cercada com redes de arame e as árvores estão numeradas. O sândalo é uma das riquezas desta região, uma das maiores fontes de exportação e os proprietários contabilizam as suas posses em árvores.

Tomámos um “Tchai” no centro de Maraiyor e partimos rumo a Dhali, localidade no estado de Tamil Nadu. Existe uma pequena fronteira entre os estados, uma cancela accionada manualmente, onde apenas os carros param e são olhados rapidamente por um guarda. Na Índia, as motos não param em fronteiras de estados, não pagam portagens nas pontes e passam ao lado das barreiras de controlo da polícia.







As estradas no Tamil Nadu estão em melhor estado, são largas, sinalizadas e têm menos tráfego. Conseguimos atingir uma velocidade estonteante de 80 km/hora, uma deslocação vertiginosa neste País. A estrada ajudava, chamava a enrolar punho, estava limpa de carros, tinha boa visibilidade. Ao terceiro dia, finalmente percebemos que as Royal Enfield até aceleram. Atravessamos a planície por entre plantações de coqueiros, campos cultivados, casas coloridas e crianças que acenam às motos barulhentas que transportam pessoas com casacos vestidos neste calor. O almoço foi estranho, um pequeno restaurante no centro de Anamaca, onde nos serviram um “Massala Dosa” um crepe frito feito de farinha de milho, com recheio de batata, cebola e molho de especiarias, servido num prato forrado com uma folha de bananeira.

Rumo a Trissur, saímos do estado de Tamil Nadu, para entrar no Kerala de novo. A estrada mudou como por milagre. É estreita, com trânsito caótico, perigosa. Somos ultrapassados por carros apressados que se deslocam pelo meio da estrada e apenas reduzem quando, em sentido contrário, camiões e autocarros ultrapassam camiões e autocarros. Uns 60 km de estrada muito movimentada que nos deixaram exaustos. Depois tivemos de atravessar a cidade de Trissur, uma prova de perícia e sangue frio, uma aventura que não há palavras para descrever.

Sair das cidades na Índia é a melhor coisa que se pode fazer neste país. As cidades são caóticas, sujas e feias, são quilómetros de confusão, barulho e calor e os arredores depósitos de lixo à beira da estrada. Quando nos afastamos, começa a Índia rural, aquela que vale a pena vir para conhecer.

No centro de Trissur perdemo-nos na confusão e encontrámo-nos de novo todos no último cruzamento que falhámos. Rodeámos a cidade rumo às margens do rio Thriprayare e, finalmente, já ao cair da noite, após 250 km, chegamos ao destino. Estava um calor escaldante e um grau de humidade terrível. Parecia que estávamos numa sauna, nada consegue ser seco, tudo transpira, nós, as árvores, a terra, o rio. O alojamento fica em cima da água, o ar condicionado só funciona às vezes, há quebras de luz constantemente. Jantámos sob uma luz mortiça, arroz frito com legumes, carne picante, peixe picante, caril, iguarias que ainda nos fizeram suar mais. Mais um Hotel sem Internet.












Quarta-feira, dia 10 de Março de 2010

O dia começou cedo. Temos 185 km para fazer até Mannur. Em termos ocidentais, esta distância nem é distância. Mas na Índia, é uma longa e difícil jornada.

Percorremos de novo a estrada junto à costa, serpenteando pelas aldeias até Kochi, desta vez para rumar ao interior do país, direcção Norte. Nos arredores de Kochi o nosso guia fez uns desvios para evitar o centro da cidade, uma gincana pelos bairros periféricos, ruas estreitas com lixo nas bermas, muita gente, carros e carretas carregadas, estradas entupidas de trânsito. Vinte quilómetros e uma hora depois, circundámos a grande cidade e apanhámos a estrada nacional 49 rumo às montanhas (“Gats”) Ocidentais.

Até Kotamangalan a estrada é complicada, estreita e movimentada, passa por muitas vilas e cidades Os camiões circulam em alta velocidade, os autocarros circulam em altíssima velocidade e os carros circulam em turbo. Depois há os rickshaws e as motos que cruzam tudo e todos. A circulação é como as marés, agora vão todos para lá, camiões passam a correr por rickshaws que vão pela berma, autocarros passam os camiões na faixa contrária e ainda alguns carros passam apressados em terceira fila. De repente vêem todos para cá, a visão abarca uma frente de três veículos a ultrapassarem-se desenfreadamente, na nossa direcção, a apitar continuamente. Só me apetece voar.

Depois começa a subida da montanha. Há menos trânsito e a estrada também é mais estreita. Parámos num restaurante à beira da estrada, veio o dono a correr para nós. Frango para todos, em molho picante, tapado por arroz branco. Eu pedi qualquer coisa “not spicy”, comi arroz frito com legumes, aromatizado, saboroso, uma delícia. Não havia talheres, comemos com colher. Os indianos espalham o arroz e os molhos num prato grande, enrolam com as mãos e comem. Mão cheia, polegar recolhido, levam à boca e o polegar empurra para dentro da boca.

A estrada da montanha serpenteia por paisagens verdes a perder de vista. Há pequenas aldeias de casinhas arrumadas e coloridas. Pintadas de cores suaves, azul, verde marinho, cor-de-rosa. Parecem casinhas de brincar, rodeadas de coqueiros e bananeiras. As igrejas católicas alternam com templos hindus, muito coloridos, altares com figuras de vários braços e pernas, assentes no alto de uma escadaria de cores garridas.

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Parámos para descansar junto a um colégio para raparigas “Fathima Matha”. Era hora de saída da escola, um banco de rapariguinhas estendia-se pela estrada à espera de transporte para casa. Com camisas brancas, saias azuis e lacinhos rosa no cabelo, vêem falar connosco, sorriem, perguntam o nome, de onde somos. Gradualmente vão embora em autocarros sem janelas e ferrugentos, ou apertadas em rickshaws. Do outro lado da estrada, uma figura da Nossa Senhora de Fátima olha para a paisagem.

Durante a paragem, alguns queixaram-se das motos, a quarta mudança salta e a moto fica em ponto morto. O mecânico sorridente não se preocupa, diz que é normal “No problem. Go back and came again”. Tivemos de sorrir também com aquela resposta alegre e divertida. Mais uma para registo de viagem.

Munnar fica a 1.500 metros de altitude, cidade que é um centro mercantil das plantações de chá. Ao aproximarmo-nos da cidade as encostas enchem-se de plantas de chá, rasteiras, cheias de folhas, pequenos tufos de vários tons de verde, conforme a exposição ao sol. Ao longe, a grande montanha, despida, escarpada e castanha, imponente a dominar. A temperatura arrefeceu, o ar está mais seco, pela primeira vez deixámos de transpirar continuamente.

O Hotel fica no topo da cidade, tem bungalows sobre a encosta e ar condicionado. Não tem Internet. Mas da varanda do quarto vê-se um pôr-do-sol divino.











Terça-feira, dia 9 de Março de 2010

Hoje fomos preguiçosos. Só saímos para a estrada às dez horas da manhã. O dia está reservado para deambular pela região, visitar a cidade de Allepey, considerada a Veneza da Índia. Uma cidade de casas escuras e sujas, com lixo nas ruas e dezenas de canais que atravessam a cidade. Há barcos que transportam passageiros, há barcos que são casas onde vivem famílias, há barcos de aluguer para passeios. Nos muros dos canais, vivem milhares de barcos, cascos em madeira, casas construídas com folhas de coqueiro entrelaçadas. Parámos para umas fotos junto a um pequeno canal e logo os habitantes dos barcos mais próximos vieram tentar conversar. O Inglês da maioria dos indianos é difícil de perceber, palavras soltas com uma pronúncia impossível. Reparámos que um dos barcos tinha um aparelho de ar condicionado encaixado no tecto entrançado.

Conduzir no centro de uma cidade na Índia é a maior aventura que tive até hoje. A confusão de trânsito é inacreditável, não há regras, não há semáforos, há apenas carros, rickshaws e motos por todo o lado, muito rápidos, parece um novelo de linha que embaraça e desembaraça milagrosamente sem ninguém chocar com ninguém. Os cruzamentos são uma prova de resistência, de audácia e de perícia de condução. Não se pode parar à espera da nossa vez porque ficaríamos o dia todo no mesmo sítio. Descobrimos uma técnica interessante: aproximamo-nos, entramos no cruzamento devagar, todos juntos, compactos e ficamos ali a marcar posição. O roncar dos motores, a visão de uns estrangeiros vestidos com fatos estranhos e que ainda se atiram ao trânsito deve impressionar os indianos que param a olhar e acabam por dar passagem ao compacto de motos que lentamente avança por entre os centímetros livres.

Um passeio até ao mar e descobrimos uma praia de areia branca e escaldante, uma costa de muitos quilómetros sem ninguém. O calor é abrasador e um café com ar fresco convidou-nos a entrar. Um chá preto e uma hora depois, decidimos almoçar umas sandes de omeleta, feitas em pão de forma, cortadinho em triângulos, barradas com manteiga e recheadas de cebola.







Por uma estrada pequena e com pouco trânsito, viramos para o interior até ao lago Vembanad, de águas calmas e margens de coqueiros, onde habitam dezenas de “boathouses” para turistas. Um cais comprido onde amarram barcos enormes, com vários quartos, que os donos alugam para férias ou para pequenos cruzeiros no lago. Mal chegámos vêem logo oferecer os serviços, convidam-nos a entrar para ver, fazem-nos preço rapidamente. Para oito pessoas, um passeio no lago de um dia e uma noite, todas as refeições incluídas, dava um equivalente a 300 euros para o grupo. Teria sido interessante se houvesse tempo.

Na volta para o hotel encontrei um ciber-café. Finalmente Internet à vista. O Hotel não tem e, ao que parece, acesso à Internet não é fácil de encontrar neste país. Levava o texto e as fotos numa Pen e consegui actualizar o blogue. Mas não me sai da cabeça o contraste entre um país que é considerado uma potência no software e depois não há pontos de acesso à Net. Isto não vai ser fácil.







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